sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Quem nasce em Minas é (...)

 


Sinuoso por conta das montanhas e do cerrado;
assertivo por conta dos planaltos;
rancoroso por conta das ferrovias;
misterioso por conta dos minérios;
profundo por conta das minas e dos vales;
cheiroso por conta dos cafés mais nobres;
caudaloso por conta do São Francisco;
inventivo por conta do Rosa de Cordisburgo;
engraçado por conta do poeta de Itabira;
amoroso por conta de Milton;
festivo por conta do mar de bares e do Clube da esquina;
escorregadio por conta das pedras de Aleijadinho;
negociador por conta do quadrilátero ferrífero e da República Café com Leite;
religioso por conta do Congado;
contraditório por conta do barroco;
inconfidente, jeitosim e fofoqueiro;
fogoso, bom amante e casamenteiro.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Caraguatatuba

O mar recuou deixando os barcos atolados

na extensa e insólita faixa de areia

que a praia do Camaroeiro se transformou.

O litoral perde imediatamente sua serventia

se as águas não retornam ao destino de servir

aos destemidos sonhos dos pescadores caiçaras.

Parece que a lua cheia e os ventos soprando em paralelo à costa

explicam o fantástico fenômeno do inconsciente marítimo

e traduzem ainda melhor a miséria humana

que o surpreendente paredão de arranha-céus 

lançando sombras sobre Camboriú,

a Dubai brasileira.



A maré está baixa.

O governo fascista destrói em poucos dias

as políticas públicas que levaram décadas para implantação.

As temperaturas abaixam, ao passo que as geleiras continuam derretendo.  

A Amazônia diminui enquanto a fronteira agrícola avança e a fome cresce.

Se até a imponente Plataforma Lattes caiu,

deixando o mundo acadêmico perdido e sem sentido, 

seria agora a hora e a vez do mercado dos afetos?



João que amou Raimundo, agora vive com Teresa.

Maria se declarou para Lili na mesmo noite

em que Joaquim sonhava com J. Pinto Fernandes.

E você, Josefina?

Teria tempo para uma quadrilha julhina?

Suportaria perder?

Na vida,

no mercado de trabalho,

na conjuntura política,

nos espaços acadêmicos,

e no amor?

 

(Se da linguagem emerge o desejo, o trava-língua que dá título ao poema é homenagem à metalinguagem dos tropeços.)






segunda-feira, 15 de março de 2021

Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto

O ar desce pesado até os pulmões.

Tua respiração fica suspirosa e difícil.

Tuas costas doem,

mas não há posição que melhore

a angústia que é o simples ato de respirar.

A tosse parece rasgar do teu peito

a esperança que te resta.

Recomendaram usar um aparelho no dedo

que mede a taxa de oxigenação do teu sangue

e um termômetro digital para o caso de febre.

Nenhum deles, todavia, deu conta de estimar, 

no teu corpo exausto, 

o desejo de sobreviver.


Depois que tudo isso passar

(ou durante mesmo dentro do que for possível)

lembre-se de cumprir com o prometido:

beijos mais longos,

risos mais largos,

conversas mais francas,

mais corpo nos teus motivos,

mais intimidade nos teus encontros, 

mais honestidade com o que te causa,

mais sinceridade com teu tesão,

mais leveza nas tuas dores, 

mais espontaneidade nas tuas alegrias.

quarta-feira, 10 de março de 2021

Amar adentro

Falo é um prédio ostensivo,

como aqueles de Camboriú,

a Dubai brasileira.

Todavia, um gigantesco arranha-céu

que faz sombra na areia da praia.


Não-todo é o sol na cara provocando careta,

fazendo do mar espelho do céu.

É a cerveja quente

e o grito estridente do ambulante

que vende bugigangas que se compra sem precisar.

É a canga linda que você perdeu a oportunidade de usar

porque esqueceu em casa junto com protetor solar.         

 

Desejo é amar um mar de possibilidades,

que você atinge só até meia cintura.

É aquela conchinha na beira da praia

que as águas levam de volta para o oceano

antes que você pegue ela pra você.


terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Percursos de uma análise

não deixar de viver em nome de não morrer/

não deixar de se arriscar em nome de nunca errar/

não deixar de apostar em nome de nada perder/

não deixar de caminhar em nome de tempo algum se precipitar/

não deixar de amar em nome de jamais sofrer/

não deixar de ir adiante em nome de maneira nenhuma recuar/

não deixar de buscar em nome da dificuldade de lidar com a solidão e o desamparo do próprio vazio/

não deixar de dizer (e escutar!) para que ecoe os abismos labirínticos dos excessos de sentido.

aceita...

tua travessia consiste em rimar o tempo da lógica com o tempo da erótica numa enunciação feminina que subverta o advérbio de negação que precede teus enunciados dando nova morfologia e sintaxe ao corpo que irrompe timidamente como palavra e ato na cena analítica do inconsciente ingovernável.

está posta aqui a oportunidade de escolher dar uma resposta legítima e honesta às angústias que te assombram:

- qual verbo de ação vai marcar tua singularidade desejante pelas estradas sinuosas da vida?

- nos braços de qual significante tua nudez será lançada?

- quantas possibilidades de mundos uma mulher é capaz de inventar?