sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

O lugar da poesia


     É preciso reconhecer a beleza e a lucidez dos versos de Manuel de Barros. Ele não pertence ao mundo dos razoáveis. Construiu uma poesia com substrato social profundo e responsável, sem dicotomia vida-trabalho e sem abolir os afetos da dinâmica da vida.
     Para quem quiser conhecer um pouco mais da obra e da personalidade atraente do poeta sul-mato-grossense indico assistir ao documentário "Só dez por cento é mentira”. 
     
"Aprendo mais com as abelhas do que com aeroplanos.
É um olhar para baixo que eu nasci tendo.
É um olhar para ser menor, para o insignificante,
que eu me criei tendo.
O ser que na sociedade é chutado como uma barata -
cresce de importância para o meu olho.
Ainda não entendi por que herdei esse olhar para baixo.
Sempre imagino que venha de ancestralidades machucadas.
Fui criado no mato e aprendi a gostar das coisinhas do chão - antes que das coisas celestiais.
Pessoas pertencidas de abandono me comovem
tanto quanto as soberbas coisas ínfimas.”


Retrato do artista quando coisa, Manoel de Barros.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

No divã


     "Há mais mistérios entre o céu e a terra, Horácio, que sonha a vã Filosofia". Hamlet, Shakespeare

     Definitivamente a mente é movida por processos criativos de expansão.
     Melhor aproveitar dos devaneios freudianos para não afunilar o olhar nem viver infeliz em cercas impostas. 
     Para um certo vienense, revolucionário do pensamento humano, com seu charuto na mão, seu olhar misterioso e sua cara terrivelmente invocada, a arte e o lúdico são fontes de inspiração para recriar a si mesmo além de objetos de satisfação erótica. Nessa concepção, o artista seria aquele que preserva o recalcamento e aprimora a imaginação criadora da criança. Por isso, tanto o artista, como seus leitores, realizam simbolicamente pela arte os desejos reprimidos, tal como a criança faz ao manipular a realidade em suas brincadeiras.
     A emoção estética diante de uma poesia, uma música, uma tela, uma escultura é resultado antes de tudo de um processo de reelaboração subjetiva a partir de elementos do inconsciente e do posterior significado extraído da obra por cada observador atento. Interessante isto, primeiro a emoção, só depois racionalizamos sobre o registro estético.
     Assim, o escritor é também um incorrigível sedutor. Como eu suspeitava... A leitura é um constante convite à sublimação, tentativa de modificar a realidade para obter nela o que nos fora negado por ela. Convite, inclusive, extensivo a todos aqueles que desejarem se candidatar, livre e espontaneamente, a essa incrível forma de prazer inventada pelos humanos. Transgressora e genial como qualquer criação artística.
     Por fim , encerro esse diálogo psicanalítico com a famosa frase do livro “O idiota" de Dostoievski: “A beleza salvará o mundo". Alguém duvida? Pode deixar, Freud explica...

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Metalinguagem

     A poesia é uma espécie de transfiguração. A ela foi concedido o poder de reestabelecer suavemente o desejo e a alegria perdidos. Sempre em pequenas doses vitais.
     Nela é possível depositar os cansaços que nos assombram. Nisto talvez resida o papel mais importante da arte: o descanso do existir sem tréguas.
     Hoje relembrei dos versos de Helena Kolody: “Meu nome, desenho a giz no muro do tempo. Choveu, sumiu”. Misto de dor e contentamento num único traçado.
     O verso simples da mulher paranaense, solteira e sem filhos, ainda pouco conhecida pelos leitores de poesia, me fez pensar na vida como muro que se escreve a giz. Aprendi a não ter medo de passar. Escolhi viver com o mínimo de ilusões. Sou apenas aquilo que posso.
     Não sou Helena, mas absorvo seu poema enquanto expressão lírica e existencial. O seu escrito, por hora, é meu. Acomoda-se onde em mim é mais solitário e ali resolve morar. Uma pungente dor que alivia no ato de se permitir doer. Não ilude, não anestesia, dói e, por vezes, cura.
     Um poema de hora em hora é uma prescrição médica que tenho o prazer de cumprir.
    O poema é revelação. O silêncio é rompido e os poetas vêm nos visitar. Hoje o dia foi de Helena Kolody e sua linguagem em forma de melodia. Sublime e discreta  Versos curtos e musicais.
     De resto, correr para quê? Para apagar a luz? Para pagar as contas? Para estudar para a prova? Não. Não é preciso ir a nenhum lugar. O tempo é minha porta. Por ele entro e saio quando quero.