sábado, 29 de maio de 2010

Depois de um mês

     Escolhi outra bebida, brindei à tarde com um poema. Frio, cinza, maio maior que todos os outros versos. Se soubesse dançar, dançaria um soneto com estribilho decassílabo. Assimétrica, embalei um refrão com jeito de dilema vespertino. A escolher estavam um drama de domingo magro ou um baile de terça-feira gorda. Preferi, no entanto, a cadeira de balanço, o ritmo das lembranças e as baladas recordadas do último outono.
     Tenho todos os motivos menos dois para ser triste, mas não é hora de cálculo matemático. É provável que a tarde não queira espantar a boa ocasião da inspiração. 
     Longo mês. Exatos trinta dias sem nenhuma produção que pudesse amenizar a loucura ou me jogar de vez dentro dela. Na lixeira, só alguns rascunhos com segredos que agora nem mais novidades são.
     De susto, canto minha aldeia. De medo, minhas miudezas me ocupam por demais. Rascunhos tantos que nunca sobra tempo para passar a limpo. Ficam todos ali: inacabados, empilhados, amuados, corados de vergonha e da sinceridade que foi possível naquela hora...
     Reticente só eu em não lê-los há tanto tempo. Disfarço, fingo não sê-los. Faço feito carta sem selo. O mistério é uma forma contente de proteção do remetente ao possibilitar ao sujeito esconder o predicado da ação. A metáfora, a lágrima que escorre sem que ninguém peça uma satisfação.
     A medida certa, nunca a encontrei. Talvez nem quisesse achá-la. Gosto mais dos poemas aguados, dos dançarinos desengonçados, dos filmes do passado e do relógio de ritmo atrasado.

     Às vezes acho graça, às vezes choro.
     Às vezes danço, às vezes corro.
     Às vezes faço poema, às vezes só silêncio.


[O desenho desse texto é uma generosa contribuição da minha amiga talentosíssima, Lexina Florindo Carvalho, feito especialmente para o blog.]