domingo, 31 de março de 2013

Devaneios insones- Domingo de Páscoa


     Ainda nos seus vinte e poucos anos (apesar de alguns consideráveis fios brancos), Luísa chegou à conclusão de que o tempo é o seu maior aliado oculto. Depois de tantos embates inúteis, deitou exausta na relva verde do jardim e deixou acalentar-se a si própria. Chorou um pranto comovido e aliviado numa cena digna de catarse para uma apropriada tarde cinzenta de domingo de páscoa. Março merecia um final assim.

     A segunda metade da vida é ainda melhor quando o peito não tem porque esconder os espantos e as vertigens que o habitam e quando a alma já coleciona mais rugas que a própria pele. Tinha certeza que só vence na vida a pessoa que se descobre ingenuamente fazendo o que gosta. A vida discordava insistentemente dela exigindo que seus argumentos fossem melhorados e não o tom de sua voz elevado. Para cada franzido de testa, um resignado pedido de desculpa sempre seria cobrado mais tarde.

    Para ela a existência não era feita de ingressos gratuitos, lucros vantajosos, feriados prolongados, temperaturas amenas, notas altas e noites badaladas. A boêmia não passava de uma pracinha com jeito de interior, de um sorvete de casquinha que a gente compra com o troco da padaria, de um passeio de bicicleta debaixo de chuva fina, um moletom furado e céu nublado. Para Luísa, o mais surpreendente da vida é saber aproveitar o toque acidental das mãos geladas que se entrelaçam no cinema; a insônia criativa que nos surpreende depois de um dia massacrante de trabalho; a frase que a gente ensaia pra falar, mas gagueja no momento decisivo; a cerveja morna que se bebe num minúsculo quarto e sala enquanto sonha com um apartamento refrigerado e atapetado de desejos inconfessos; o ônibus superlotado com motorista mal educado que a gente pega enquanto o pensamento divaga livremente por sonhos intercontinentais; o atraso do voo que a gente nem liga só pelo direito de aproveitar o romantismo da despedida que antecede o embarque.

    Luísa não queria mais lamentos paralisantes. A vida não é um chocolate ao leite. É sabor meio amargo parecendo gosto de despedida. O pior jeito de saboreá-lo é não saber partir e o pior jeito de partir é não saber aonde se quer chegar. 

[Se o chocolate faz aumentar a sensação de bem-estar eu não sei, mas pode fazer o desejo de escrever voltar...]